Falha na aplicação da Lei Penal traz danos à sociedade e aos servidores penitenciários

 

por Maria das Neves*

O Supremo Tribunal Federal (STF) realizou uma audiência pública importante sobre o sistema prisional nos dias 14 e 15 de junho, com a participação de autoridades públicas e representantes da sociedade de vários setores componentes da execução penal. O evento teve como objetivo tratar do tema contido no Habeas Corpus 165.704, em sede no STF, para garantir os direitos previstos no artigo 318 do Código de Processo Penal, especialmente no que tange às pessoas que estejam presas privativamente e tenham que dar assistência a crianças menores de 12 anos ou pessoas portadoras de deficiência. Essa possibilidade dependerá de que essas pessoas sejam primárias e não tenham cometido crimes violentos e de grave ameaça, ou crimes contra o próprio filho ou dependente.

Sendo um tema de extrema relevância, pois trata-se de soltura de presos e presas de forma coletiva, o que causa grande preocupação social, tomou-se o cuidado de ouvir essas partes da sociedade que trouxeram justificativas e informações para a concessão ou não da ordem impetrada pela Defensoria Pública da União, e que respeitados os argumentos e provas, se formará o juízo de valor da Suprema Corte.

Tais medidas se tornam necessárias visto o colapso iminente do sistema prisional brasileiro.

Um estudo elaborado pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) mostra que, até 2025, a demanda por vagas nos presídios poderá quadruplicar e os gastos com a manutenção de pessoas presas aumentar em R$ 95 bilhões por causa do pacote anticrime, formulado pelo ex-ministro da Justiça Sérgio Moro.

Se levarmos em conta a situação atual do sistema prisional, veremos que um aumento de custos nesta magnitude tornará o sistema inviável, o que levou o judiciário a buscar medidas que desafoguem o sistema.

Dentre as responsabilidades dos atores mencionados nessa medida, vamos nos ater às atribuições e responsabilidades do sistema prisional para efetivar a concessão caso ela venha a ser proferida, que são as de fornecer os dados dos presos provisórios que ocupam atualmente as vagas nos presídios brasileiros, buscando medidas padronizadas de práticas de levantamento de informações no meio da população carcerária provisória nos termos da concessão. E a posteriori, quando já em Regime Domiciliar a fiscalização eletrônica, que, provavelmente ficará a cargo da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) de São Paulo e das pastas similares em cada estado.

Todas as pessoas que participaram e palestraram sobre o tema atentaram para os efeitos deletérios da prisionização que poderiam ser evitados às pessoas que preenchessem os requisitos do artigo 318.

Sabemos que dentro dos Centros de Detenção Provisória (CDPs), muitos presos aguardam sentenças que, quando proferidas, ultrapassam o tempo prolatado da pena, muitas vezes eles até serão absolvidos. É urgente que os órgãos fiscalizadores denunciem essas situações que são verdadeiros abusos de autoridade. Abusos do Judiciário em demorar tempo excedente na conclusão do processo. Abusos também das prisões arbitrárias realizadas por policiais mal treinados e, consequentemente, por inquéritos mal instruídos que induzem o judiciário a erros.

Essas autoridades não se preocupam em garantir a liberdade como regra e a prisão como exceção. Primeiro prendem e depois, no processo, apuram se precisavam prender.

A superlotação dos presídios afeta a sociedade conjunturalmente, assoberbando o erário público na manutenção dos mesmos e a própria economia pela mão de obra desperdiçada nas prisões.

A realidade é que os presídios estão superlotados e as estatísticas já comprovam que pelo menos um terço dessa população prisional não precisava estar encarcerada às expensas do dinheiro público. Para isso ser evitado, bastava que as leis fossem respeitadas.

É necessário repensar as políticas de segurança pública, pois enquanto lotam-se as prisões com presos de baixíssima periculosidade, nosso país apura menos de 8% dos homicídios e pune apenas 5% destes crimes.

Portanto, a função de segregação dos elementos perigosos à sociedade que é uma das mais básicas do sistema prisional fica prejudicada.

Enquanto se prendem todos os dias, em contrapartida, há anos não se contrata pessoal para atuar nos presídios paulistas. Se há dez anos já era inviável conduzir os trabalhos, imaginem agora com o quadro mais defasado ainda pelas aposentadorias e afastamentos por motivos de saúde: só entre 2020 e 2021 foram 959 trabalhadores a menos.

Temos um déficit de mais de 13 mil funcionários que aumenta cada vez mais devido aos afastamentos de saúde causados por excesso de trabalho.

A superlotação não atinge somente os presos, mas as pessoas que viabilizam a manutenção dessas pessoas. Os servidores penitenciários estão doentes pela sobrecarga de trabalho a eles atribuída. Pois a população carcerária só aumenta enquanto o efetivo só decai.

Quantos Habeas Corpus serão necessários para que a Suprema Corte determine que se cumpram as leis nesse país?

 

*Maria das Neves é coordenadora da Regional da Capital e Grande São Paulo no SIFUSPESP.