Veridiana Dirienzo

Educadora Social e Psicanalista
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Neste cenário de incertezas e afirmações que desgastam a imagem do servidor e desconsidera sua utilidade, a saúde mental do trabalhador fica ainda mais fragilizada   

 

Por Veridiana Dirienzo, Educadora Social e Psicanalista

Nas últimas semanas o tema das Parcerias Público Privadas(PPP), que o atual governo do João Dória(PSDB) pretende implementar nas penitenciárias do Estado de São Paulo, tem causado debates intensos na categoria.

 

Conversando com alguns agentes, descobri que muitos, equivocadamente, acreditam que o impacto das PPPs não os afetará, usando a justificativa improcedente de que a leva concursada não sofreria nenhum impacto, já que a proposta não traria de imediato mudanças para quem entrou via concurso público.

 

Já outros agentes, no entanto, dizem notar que os colegas de trabalho andam mais nervosos, ansiosos ou mais “para baixo”, e que as atuais manifestações do Governador, deixaram o ambiente de trabalho mais tenso. O fato inegável é que a favor ou contra, as parcerias público privadas dividem opiniões.

 

Meu presente objetivo é falar sobre o aspecto subjetivo que as atuais propostas de mudança,  por parte do governo, podem trazer para os trabalhadores penitenciários.Uma das queixas mais frequentes que ouço da categoria é que a desvalorização social sofrida  é enorme, falas frequentes como: “ somos nós que passamos a maior parte do tempo com o apenado, enquanto a polícia civil e militar só entram em ação em partes do processo. Quem está ali dia e noite,  em estado de constante alerta, reparando na movimentação de presos, e nos cuidados específicos de cada um, somos nós. Mesmo assim, muitas vezes não somos lembrados, como parte essencial da segurança pública do Estado”.  

 

O governador de São Paulo, ao afirmar que o trabalho dos agentes pode ser realizado por qualquer pessoa, coloco aqui a seguinte fala: “que cuidar de cozinha com presos é algo que qualquer um pode  fazer”, coloca o agente em uma posição delicada, legitimando o desprezo social.

 

Uma das bandeiras de luta da categoria é o reconhecimento, por parte da sociedade,  do seu ofício. No entanto, alguns podem se perguntar qual o “ganho” que a categoria conseguirá, por ter sido reconhecida socialmente? Poderíamos colocar no bojo de profissões que sofrem com processo de invisibilidade social, o trabalho dos servidores penitenciários.

A sociedade não vê e muitas vezes não sabe o que acontece em uma penitenciária.  Além de diferenças entre cada unidade, os inúmeros e grandes muros escondem o que acontece no dia à dia dos apenados e dos agentes.

 

O alto índice de problemas psíquicos enfrentados pela categoria,  desde ansiedades leves aos casos de suicídio, são extremamente agravados pela invisibilidade que a categoria enfrenta. Ser reconhecido por seu trabalho, poder  falar de como é a rotina e funções, desafios e alegrias, enfim, poder ser ouvido e refletir sobre o exercício da função é essencial para que cada trabalhador sinta-se um colaborador  em sua posição no mundo do trabalho, ao passo que é reconhecido, e que pode falar sobre ele próprio, o trabalho, trazendo à luz - ao retirar o véu que cobre as penitenciárias, assim desnudando a sua vivência no sistema.

 

Dória não pretende só implantar as Parcerias Público Privadas, o discurso subjacente desvaloriza o servidor e tem a meta  de enfraquecer os trabalhadores que já estão no sistema, acoplando uma estratégia onde, em um primeiro passo, possa reinar um clima de guerra entre servidores do Estado e os contratados - via parcerias -,  levando em conta a defasagem salarial entre os grupos e o contrato precário do segundo grupo.

 

A estratégia governamental é bem astuta, assim os trabalhadores “brigarão entre si” por visibilidade e reconhecimento, não levando em consideração a importância da articulação e a união da categoria. O inimigo não está no colega de trabalho que foi contratado de outra forma, mas sim em um governo que cria bases mais baratas, sucateadas, visando o lucro de grandes grupos econômicos e  desconsiderando que os serviços essenciais são dever do Estado.

 

A segurança pública é uma das bases para o funcionamento da sociedade, sendo assim é preciso que exista um diálogo com a sociedade civil sobre as penitenciárias. A sociedade em conjunto com os agentes,  precisam pensar sobre o cárcere. A tentativa do governador tucano é isolar cada vez mais o trabalho que já é realizado pela categoria. Deixando à margem todos os trabalhadores envolvidos com o sistema penitenciário, aumentando  o sentimento de “vazio” e não valorização da categoria.

 

Mais do que nunca é preciso que a sociedade conheça o trabalho dos agentes, é preciso estar junto, para que a tentativa perversa de desvalorização de homens e mulheres que dedicam suas  vidas em prol da segurança pública possam ter seu lugar de reconhecimento e valorização merecidos. Propiciando aos trabalhadores que ainda entrarão no sistema penitenciário condições mais justas de trabalho. Lutar por nós e por todos  que virão é lutar por condições, valorização, e sobretudo, lutar à favor da vida.





Nos último meses o SIFUSPESP tem participado das reuniões sobre saúde do trabalhador, como a Semana Interna de Prevenção de Acidentes do Trabalho (Sipat) no CDP Pinheiros e o encontro com o CQvidas. Um dos objetivos, além de estar perto da categoria ouvindo seus anseios e desafios encontrados no local de trabalho, é para além disso ,abrir um espaço de prática de fala do trabalhador penitenciário com sindicato e Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA), considerando que  o sindicato considera o diálogo o maior instrumento dos trabalhadores penitenciários é o diálogo.

É por meio do diálogo que o trabalhador do sistema prisional e o sindicato podem pensar juntos nas resoluções dos desafios encontrados no dia a dia. É importante ressaltar que quando falamos diálogo, não se resumimos apenas ao falar sem pensar no processo organizativo. Falamos do diálogo como um processo, o primeiro passo para que possamos organizar as necessidades concretas do local de trabalho. A partir daí então, podemos pensar que a o diálogo frutificou, colhendo assim os desafios que precisam ser trabalhados.

Não basta, pensar que sozinhos enfrentemos o dia a dia das penitenciárias, ou que munidos de boa fé encararemos todos os problemas. A categoria dos agentes penitenciários está em segundo lugar das profissões mais estressantes do mundo, avaliado pela Organização Internacional do trabalho (OIT). Não podemos negar o alto índice de doenças causadas por exemplo pelas condições insalubres das cadeias. Temos os recentes casos de tuberculose descobertos no CDP de Santo André. Precisamos pensar como superar essas condições,  que são do direito d trabalhador, entretanto, não acontecem na prática.

As precárias condições das penitenciárias acarretam problemas para a saúde em diversas esferas. Os sintomas físicos, os primeiros a aparecer, como a hipertensão, diabetes, obesidade dentre outros. Concomitante a esses problemas, os altos índices de uso de entorpecentes, nos mostram que a subjetivamente a categoria sofre de depressão, ansiedade, entre outros, e que a partir desses problemas, o uso de entorpecentes acaba surgindo. Apenas um exemplo de como o processo de piora na saúde está interligado.

Estamos falando de uma mistura perigosa de problemas de insalubridade das penitenciárias somados aos problemas físicos e psíquicos que traduzem a vida dos trabalhadores e desembocam na morte precoce de muitos.

O SIFUSPESP está de portas abertas para o diálogo, junto com a CIPA, e pela busca de melhores condições de trabalho. A saúde do trabalhador penitenciário é uma de nossas principais bandeiras. Sabemos que sem a saúde e qualidade de  vida dos guerreiros e guerreiras está altamente comprometida perante o quadro apresentado.

Para 2019 temos como meta a intensificação do trabalho do SIFUSPESP e CIPAS, por meio das visitas às unidades prisionais, concretizando nossos desafios penitenciários comuns e também singulares. Destacamos que estaremos contando com uma rede direta de atendimento psicanalítico que pode encaminhar o trabalhador para diferentes tipos de tratamento,  de ordem física e psíquica.