• Marc Souza

    Marc Souza

    Marc Souza, 44, é policial penal na Penitenciária de Dracena. Graduado em Pedagogia, é escritor e roteirista. Entre outros livros, é autor de “Balaio de Gatos”, “Fatos, relatos e boatos” e “Casos, acasos e descasos”.
  • André Ferreira

    André Ferreira

    André da Silva Ferreira é policial penal há 15 anos, dos quais 11 no Grupo de Intervenção Rápida (GIR). Advogado, especialista em Direito Público, é docente da Escola de Administração Penitenciária (EAP) e professor universitário Tem formação em direito internacional de conflitos armados e direito internacional humanitário pela Organização das Nações Unidas (ONU) e mais de  50 cursos na área de segurança pública e gestão penitenciária.  Autor do livro  “O Gerenciamento de Crises sob a ótica das Ciências Jurídicas: a Lei, o Protocolo e o Plano da Realidade”. 
  • Kátia Roberta Rodrigues Pinto

    Kátia Roberta Rodrigues Pinto

      Kátia Roberta Rodrigues Pinto é policial penal, trabalha na Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) desde 2008.  Atualmente é lotada na Penitenciária “Nestor Canoa” I, em Mirandópolis, tendo trabalhado anteriormente no Centro de Detenção Provisória Feminino de Franco da Rocha e na Penitenciária Feminina de Tupi Paulista. Com licenciatura em Letras, faz mestrado em Linguística pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, onde desenvolve dissertação sobre os usos do verbo pagar na linguagem penitenciária. 
  • Perfil Abdael

    Perfil Abdael

    Abdael Ambruster, 45, é policial penal na Penitenciária Feminina de Santana (PFS), na capital paulista.  No sistema prisional desde 1994, é especialista em criminalística e em Segurança e Direitos Humanos na Academia de Polícia "Dr. Coriolano Nogueira Cobra" (Acadepol), pelo Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci).  Ambruster também é membro do Movimento de Policiais Antifascismo.   
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Por Flaviana Serafim

“Gostaria de montar um curso para ensinar as crianças a gostarem da literatura. Ensinar a  gostar não só da literatura, mas da arte em geral, porque acredito que a arte transforma as pessoas, consegue fazer um bom cidadão. Quem consegue entender a arte, consegue entender o mundo”. A afirmação é afirma o policial penal, escritor e pedagogo Marc Souza, 44, ao relatar seus planos de futuro para daqui uma década, com a aposentadoria.  

Da penitenciária de Dracena, uma das muitas unidades superlotadas - com população carcerária de quase 1700 detentos onde a capacidade é para 844 - ele inaugura o “Fora das grades”, nova seção no site do SIFUSPESP criada para dar visibilidade e valorizar as atividades da categoria para além dos muros. Além desta reportagem, Marc também compartilha seus relatos em vídeo produzido pelo sindicato (assista no final do texto).

Compartilhe também suas histórias, entrando em contato com o sindicato enviando mensagem pelo e-mail Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo. ou pelo Whatsapp (11) 99339-4320. 

Marcelo, o policial penal. Marc, o escritor

Na unidade, é Marcelo Otávio de Souza. Fora das grades, Marc Souza, graduado em Pedagogia, também roteirista e editor de vídeo, que se define como uma pessoa curiosa e um autodidata, que busca e se dedica ao aprendizado do que não conhece. Depois de entrar no sistema prisional, conta que foi cursar Pedagogia assim que teve oportunidade, seguindo o desejo que o acompanha desde a infância: ser professor em algum momento da vida.

“Prestei concurso, me tornei agente penitenciário, depois resolvi fazer pedagogia que é uma forma mais ampla de enxergar a educação. É uma arte ser pedagogo porque tem que entender o ser humano para conseguir fazer com que ele aprenda, acho uma coisa maravilhosa e por isso que resolvi estudar pedagogia”.   

Escritor na vida adulta e influenciado principalmente por autores de crônicas e contos, Marc é ganhador de diversos concursos literários realizados no interior paulista e tem diversos livros publicados. Contudo, encara sua faceta de escritor como sendo muito mais que um hobby.  

“Minha escrita é exercer a minha função social, o meu papel de cidadão. Quando escrevo e quero que as pessoas vejam, não é para me tornar famoso. É no intuito é fazer as pessoas irem atrás de outros autores. É exercer minha função de cidadão, que é ajudar minha sociedade e a comunidade onde eu moro a desenvolver o hábito da leitura e, a partir disso,  ela começar também observar o mundo à maneira dela”. 

“Balaio de gatos” (2018) é uma das publicações recentes do escritor, livro que recebe este nome por reunir diversos gêneros textuais, tais como crônicas, contos e minicontos e ainda a poesia. “Casos, acasos e descasos - várias variáveis de uma vida sem graça” traz crônicas da vida real, ou quase real, com um olhar particular do cotidiano (clique e confira a versão digital gratuita do livro). E “Fatos, relatos e boatos” destaca a faceta de Marc como contador de histórias e criador de personagens marcantes. 

Com o conto “Vidas Mortas”, Marc recebeu Menção Honrosa no “25º Concurso Internacional de Contos Cidade de Araçatuba, e também na 26ª edição, com “Contos de um amor sem limites”. No Concurso Literário do Centenário de Birigui, recebeu destaque com duas obras, em 2º lugar na categoria conto, com “Caminhos que separam, histórias que se atraem, vidas que se unem”, e na categoria crônica com “Da minha janela”, mas não pôde participar da premiação por estar de plantão no dia do evento. 

Antes da pandemia, Marc Souza começou um projeto com seu irmão, com um programa no YouTube que visa dar visibilidade aos esportistas e artistas do interior paulista, que estão longe da capital e grandes cidades. O plano está suspenso temporariamente devido à quarentena, mas será retomado no futuro. 

Engajado no enfrentamento à COVID-19, ele ainda produziu voluntariamente um vídeo educativo com informações à prevenção do contágio.

Influências, produção textual e o olhar do mundo pela literatura

A leitura e escrita de crônicas e contos são os gêneros preferidos de Marc Souza desde a infância, quando começou a ler literatura em jornais textos de Luis Fernando Veríssimo, Mário Prata e Ignácio de Loyola Brandão.

“Gosto muito de falar sobre o dia a dia, sobre as pessoas, de escrever “enganando” o espectador, de levar a pessoa achar que vai acontecer uma coisa e acontecer outra totalmente diferente. Mas procuro sempre escrever de forma sucinta e bem direta, que seja curto e que cause impacto no final”

Daí também sua preferência por textos curtos, capazes de aguçar o leitor pela estória e pelo gosto pela literatura, fazendo com que, do texto curto, tenha interesse por livros inteiros.

“Como fui seduzido por esse textos curtos, que fizeram com que eu lesse livros muito grandes e coleções de livros que são milhares e milhares de páginas, procuro escrever assim para que as pessoas quando me leem tenham vontade de ler mais, de começar a ler um romance e assim sucessivamente. Para o leitor começar a gostar de literatura e começar a ler outros autores e até aqueles mais difíceis”. 

Quanto à influência no cotidiano de trabalho, Marc explica que prefere outros caminhos e temas em suas escritas. “Nunca escrevi nada relacionado ao trabalho. Escrevo quando faço algum artigo para o sindicato ou alguém me pede alguma coisa para escrever sobre o sistema prisional. Vivo 12 horas no trabalho e procuro me desvencilhar daquele mundo. É totalmente inverso daquele que vejo diariamente no meu trabalho”. 

Sobre como a escrita e a literatura ajudam a enxergar o mundo, Marc destaca a capacidade de análise da realidade. "Quando você começa a ler estórias, também analisa essas estórias e a partir delas os vários pontos de vista. Isso não só na literatura, você vai usar na notícia dos jornais, vai começar a criar um contraponto para estabelecer o que é verdade e o que é mentira na verdade, a criar também o seu ponto de vista porque a não tem um lado só". 

Trabalho penitenciário e a visão da literatura 

Maravilhosa e dignificante são as palavras que definem a profissão de policial penal para Marc Souza, que ressalta a importância da atividade ao longo da história, e critica o retrato deturpado e os preconceitos. 

Preocupado com essa visão, distante do que mostram os filmes e a literatura, sempre que possível ele também faz seu papel de mostrar a realidade da profissão, como as palestras em que é convidado para falar de sua atividade como escritor. Ao público, ele fala das agruras enfrentadas, das dificuldades numa cadeia, da sensação de sair de casa de manhã sem saber se volta para casa, da própria vida e dos familiares em risco. 

“Muitas pessoas têm muito preconceito com essa profissão. Acho que desde a Bíblia nós estamos retratados como as pessoas más e não somos. Não é qualquer pessoa que consegue entrar dentro de um pavilhão. Hoje já diminuiu os riscos, no caso das automações, mas se entrar dentro do pavilhão com 250, 300 detentos para trancar...É uma profissão de pessoas corajosas”. 

Cultura contra a criminalidade e a violência

Ciente da pedagogia como uma forma de arte, Marc também defende a cultura no combate e redução da violência, e ressalta a importância dos projetos culturais em favelas e comunidades de baixa renda para que a cultura afaste as crianças da criminalidade. 

“A cultura em si é uma coisa que faz você conseguir pensar o mundo. Bem usada, ela consegue fazer com que as pessoas entendam o mundo a sua volta dela, a começar a questionar e, a partir desse momento, começar a ter uma posição. Enxergar o mundo da maneira como deve realmente enxergar, e a cultura transforma as pessoas, faz com que sejam pessoas melhores”, conclui.