Marc Souza

Agente penitenciário, escritor e Diretor do Sifuspesp
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Nos últimos anos, e principalmente em 2019, o funcionalismo público tem sido vítima de uma verdadeira caça às bruxas, sendo sistematicamente atacado por diversos órgãos da sociedade, principalmente pela classe política, que o acusa de ser o verdadeiro responsável por todo o caos financeiro instalado na administração pública.

No entanto, tais ataques são totalmente descabidos e injustos, principalmente no que diz respeito aos funcionários públicos de carreira aqueles que fizeram concurso para entrar no serviço público.

As acusações de que estes funcionários possuem muitas regalias e privilégios - sendo uma destas a estabilidade  - não passam de falácias.

Isso porque a Constituição Federal e as dos Estados instituem avaliação dos servidores durante um estágio probatório que dura cerca de três anos. Nesse período, após avaliações periódicas, o servidor pode sim ser demitido. Mesmo após esse período, o servidor não pode agir a seu bel prazer, pois suas tarefas e atribuições são definidas por lei e ele é obrigado a seguir toda uma hierarquia e obrigações, às quais são inerentes ao cargo e à função que desempenha. 

Portanto, é importante frisar que mesmo após o estágio probatório o servidor pode sim ser demitido, após ser constatado por meio de processo administrativo que ele tenha agido com dolo ou culpa, trazendo prejuízos à administração pública ou até mesmo ao descumprir suas obrigações funcionais. 

É lógico que, para isso, tem que haver um processo administrativo que constate qualquer irregularidade de natureza grave na conduta funcional do servidor. Sem este procedimento, o mesmo não pode ser demitido. Ou seja, o servidor não pode ser demitido de acordo com a conveniência do seu superior ou de seus superiores.

É importante ressaltar que tal regra não se faz necessária para proteger somente funcionários públicos, mas para proteger a estabilidade do serviço público. Afinal, não devemos esquecer que o serviço público é norteado através das decisões dos funcionários do alto escalão e que estes funcionários, em sua maioria, são de natureza política. Seus cargos são comissionados e de livre nomeação por aqueles que detêm o poder, e portanto estes servidores, em sua maioria, são pessoas a serviço de quem os nomeou e não a serviço do Estado.

Em entrevista à Folha Dirigida,  o professor e servidor público Alexandre Prado deu um exemplo interessante no qual justifica a necessidade de certa estabilidade ao servidor.

“Vamos imaginar que um servidor público, policial federal, esteja investigando algum político, alguém com força política ou poder (dinheiro) e começa a investigar possíveis crimes, supostas fraudes ou atos ilícitos praticados por esta pessoa. Se essa pessoa tiver influência e o policial não tiver estabilidade no serviço público pode vir a perder o emprego.” 

Esse tipo de situação pode ocorrer em qualquer âmbito do serviço público. Em uma obra superfaturada, por exemplo, ou em desvios de verbas para certos equipamentos, fraudes de caráter licitatório, dentre outras situações que podem acontecer em qualquer secretaria de serviços do governo.

Por outro lado, devemos observar que atribuir aos funcionários públicos concursados a alcunha de que estes possuem regalias e privilégios também é uma mentira escabrosa.

O funcionário público comum não tem privilégios. Note-se que a maioria das pessoas, por desconhecimento, e a classe política quando falam em privilégios dos servidores públicos nunca citam quais são. Eles falam sobre privilégios e regalias e ponto final, não separando o joio do trigo.

Não dá para negar que existem vários cargos públicos que possuem super salários e privilégios inimagináveis a cidadãos comuns, mas colocar todos os funcionários no mesmo pacote é um desrespeito para com os trabalhadores em geral. Afinal, a grande maioria vive aquém das mordomias e privilégios que alguns poucos possuem.

Na linha dos super salários e privilegiados estão membros da primeira classe do Judiciário, Magistrados e Procuradores de Justiça que além de salários altíssimos para os padrões do país ainda possuem uma enormidade de benefícios, como auxílio-moradia, mesmo se tiverem residência própria, um luxo muito distante ao servidor comum.

Essa categoria ainda tem cargo vitalício e em caso de constatadas irregularidades no exercício de suas funções, são raríssimos os casos de demissão, pois a grande maioria é aposentada compulsoriamente e continua a receber seus salários, causando mais prejuízos à administração pública. Em 2018,  uma pesquisa constatou que somente cinco magistrados haviam sido demitidos naquele ano.

Os militares das Forças Armadas também não ficam muito longe disso. Além de salários altos, aposentadoria precoce em comparação com as demais carreiras tanto públicas quanto privadas. Alguns ainda possuem pensões vitalícias que passam de pai para filha -  em caso de a familiar não ser casada no civil - causando grande rombo nas contas públicas. Para se ter uma idéia, em 2016, para cada um real gasto com os militares, oitenta centavos eram gastos com os beneficiários de pensões.

Não devemos esquecer também da classe política, essa que tanto joga a culpa nos funcionários públicos de carreira sobre o rombo das contas públicas. 

Os políticos brasileiros - além de super salários tem benefícios e regalias de reis e marajás -  possuem auxílios em cima auxílios, carros oficiais, cartões corporativas, e uma infinidade de assessores e cargos em comissão para indicarem seus afiliados políticos. 

Uma infinidade de benefícios e regalias que causam graves prejuízos aos cofres públicos. São verbas indenizatórias, verbas de gabinetes, apartamentos funcionais, passagens aéreas, auxílios mudanças, assistência médica vitalícia, aposentadoria especial e valores das pensões acima do regime geral.

Outro fator a ser observado quando ao descalabro acerca dos gastos da classe política é o uso exorbitante de carros oficiais, afinal, além do presidente e vice-presidente e ministros de estado, só no executivo, mais de 100 servidores têm direito a essa benesse. 

Se computarmos o Legislativo, o Tribunal de Contas da União onde todos os senadores e ministros usufruem de carros oficiais e o Judiciário e Ministério Público chegamos a um crescimento exponencial deste benefício. Isso sem contar com os Estados e municípios que as regalias seguem no mesmo ritmo, sem qualquer observância quanto à responsabilidade e o peso desses gastos na administração pública.

Há também o caso dos servidores dos cargos em comissão, aqueles servidores nomeados por serem de confiança dos políticos. A maioria é formada por cargos do alto escalão administrativo, e conseqüentemente, recebe altos salários e inúmeros benefícios e regalias aos quais os funcionários de carreira não estão sujeitos. 

Cargos indicados por políticos que prejudicam diretamente a eficiência do serviço público, pois, diferentemente dos servidores concursados, para a contratação destes servidores não são observadas as qualificações necessárias para o exercício da função. Ou seja, um cargo que a pessoa está lá não por ser qualificada para exercê-lo, mas por apadrinhamento político. 

Estes cargos, além de não render o esperado diante da falta de qualificação do servidor, também podem facilitar casos de corrupção na administração pública.

Diante de tudo o que foi exposto fica evidente que não é o funcionário público comum que causa grave danos aos cofres públicos. Não é aquele servidor que te atende no centro médico ou em outros órgãos governamentais que onera a máquina. 

Este servidor é somente o bode expiatório escolhido para levar a culpa pelo caos administrativo que assola o país.

Caos administrativo criado única e exclusivamente por aqueles que não têm a intenção alguma de acabar com os benefícios e regalias dos verdadeiros beneficiários, seja por fazerem parte destes ou por sucumbirem a pressões das categorias verdadeiramente beneficiadas.

 

Marc Souza