Luís Flávio Gomes, jurista e comentarista do Jornal da Cultura.
- Individualmente todos nos achamos os melhores motoristas do mundo. Coletivamente somos uma carnificina no volante (mais de 40 mil mortes por ano, no trânsito). Individualmente não nos consideramos racistas. Coletivamente sabe-se que o racismo está impregnado profundamente na alma do brasileiro.
- Individualmente estamos todos indignados com a corrupção (com o clube dos ladrões e aproveitadores da Nação que sempre nos governou). Coletivamente quase nunca protestamos contra os donos corruptos do poder. Quando isso ocorre, são protestos seletivos.
- Há um fosso, na verdade, um hiato imenso entre nossos sentimentos e pensamentos individuais e aquilo que somos coletivamente. Cada um de nós, como sublinha Eduardo Giannetti (O paradoxo do brasileiro, em O elogio do vira-lata), crê sinceramente que somos mais do que tudo isso que está aí. Coletivamente somos exatamente tudo isso que está aí.
- Até no futebol a distância entre o individual e o coletivo é impressionante. Individualmente a seleção brasileira sempre é tida como insuperável. Coletivamente, por falta de equilíbrio emocional ou outro motivo, o resultado tem sido um desastre (pelo menos nas últimas duas copas do mundo, com certeza).
- A soma das partes fica sempre muito aquém do todo que efetivamente somos. Onde está o problema? A autoimagem que fazemos de nós mesmos nunca corresponde à realidade que vivenciamos. Isso se chama autoengano (E. Giannetti).
- Cada parlamentar se considera autossuficiente. A soma deles é uma catástrofe para as contas públicas (vivem aprovando gastos públicos, irresponsavelmente, sempre em benefício dos seus patrocinadores). Pesquisa Datafolha revelou que 65% dos brasileiros se julgam felizes. Paradoxalmente, apenas 23% acham que o povo brasileiro é feliz.
- De tropeço em tropeço coletivo (estamos mal na educação, na saúde, nos transportes, na inovação, na revolução tecnológica, nos esportes, na competitividade etc.) vamos liquidando a autoestima do brasileiro, que anda muito irado, revoltado. Esquecemos que a devastação da alma cria monstros. “Quando a moral decai, surgem aqueles a quem denominamos tiranos” (Nietzsche).
- Perdemos a ideia do destino comum, do bem comum (ou seja, da República, que significa cuidar da coisa pública, da coisa comum). Nossas desavenças coletivas estão marcadas pelo ódio, que é fonte de desagregação, degeneração. Nem a experiência trágica do caos e do colapso (o caso do Rio de Janeiro é emblemático) está nos unindo. Os caminhoneiros, nesse contexto, são rara exceção.
- Os larápios corruptos e aproveitadores (umas 450 empresas nacionais e multinacionais, além de cerca de 30 famílias) creem que seus atos isolados não chegam a destruir a Nação. Não computam o efeito coletivo ou cumulativo dos seus desmandos. Não querem perceber que a soma de muitos vícios privados gera inapelavelmente calamidades públicas colossais.
- Os donos corruptos e aproveitadores do poder que, com suas bandidagens, estão levando o Brasil para o abismo, não percebem que seus péssimos exemplos se propagam na comunidade como erva daninha, criando a convicção geral (desavergonhada) de que todos devemos nos locupletar (ou nos moralizamos ou nos locupletamos todos!).
- A 6ª República (1985 até o presente) vive sua agonia final. O Brasil está grávido. Algo será parido. Que o rebento não seja um novo monstrengo autoritário aliado ao clube dos ladrões e aproveitadores da Nação brasileira.