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Policiais penais responsáveis pela escolta e vigilância das unidades prisionais demonstram que são valorosos guerreiros em defesa da sociedade, mas sofrem com danos à saúde física e mental, aprofundamento do déficit que compromete plantões, além da desvalorização salarial. Em entrevista ao SIFUSPESP, servidor com histórico de lutas pela categoria mostra à sociedade detalhes da profissão, comenta momento de dificuldades dos trabalhadores e faz balanço das novas perspectivas para a carreira a partir da pandemia

 

por Giovanni Giocondo

O 13 de julho marca todos os anos a comemoração do dia do agente de escolta e vigilância penitenciária(AEVP). Transformados em policiais penais ao lado dos agentes de segurança penitenciária(ASPs), a partir da aprovação da Proposta de Emenda Constitucional(PEC) 104/2019, esses servidores do sistema prisional paulista exercem uma função essencial na garantia da segurança das unidades, mas há muito tempo demandam por uma valorização maior e um reconhecimento por parte do Estado.

Com o propósito de tornar mais próximos da população os detalhes que permeiam a atividade e também em alertar sobre o descaso que a Secretaria de Administração Penitenciária(SAP) tem tido para com a categoria ao longo dos últimos anos - sem nomeações desde 2019, falta de funcionários para trabalhar nas muralhas e nas movimentações externas - além da deterioração da saúde física e mental das equipes, o SIFUSPESP conversou com um AEVP que possui uma história de muitas lutas e de gigantesco conhecimento sobre as dificuldades e superações que esses servidores têm e quais são os desafios que lhes esperam no futuro.

Max, como pediu para ser identificado, conta como surgiu a carreira e quais os rumos que ela poderá tomar a partir da regulamentação da polícia penal paulista. Mais do que estarem armados e atentos no topo das unidades para coibir fugas, ou dentro das viaturas na transferência e nas audiências envolvendo os detentos, esses homens precisam manter uma rotina disciplinada e recheada de cuidados para fazer com que não apenas a segurança do sistema esteja garantida, como também a deles próprios e de suas famílias.

Conheça abaixo um pouco da história dos AEVPs - que ajudaram a zerar o índice de fugas no regime fechado onde fazem a segurança externa desde que iniciaram seu trabalho, em 2002 - entenda como o seu cotidiano mudou bruscamente a partir da pandemia do coronavírus, com cada vez mais trabalho, e saiba porque eles são tão fundamentais para que as engrenagens das unidades prisionais funcionem adequadamente e de forma a impedir que o crime organizado possa avançar sobre São Paulo.

SIFUSPESP: Você poderia descrever, de forma resumida, qual é a rotina básica do agente de escolta e vigilância penitenciária quando entra para serviço?

Que equipamentos ele precisa preparar, qual o apuro com que deve fazer a manutenção do armamento e seguir atualizado no treinamento específico de sua função?

Para aqueles que estão fora do sistema e não conhecem o trabalho, poderia dizer por que ele está permanentemente nas muralhas das unidades prisionais de regime fechado?

Max: Criada em 13 de Julho de 2001 através da lei complementar 898/2001,  pelo então governador Geraldo Alckmin(PSDB),  a carreira de agente de escolta e vigilância penitenciária tinha como objetivo garantir a segurança externa das unidades prisionais bem como custodiar a movimentação de presos por meio das escoltas.

De início, cinco mil homens aprovados em concurso público foram empossados em agosto de 2002, mas só em dezembro daquele ano, às vésperas do natal, foram substituídos os militares que até então assumiam essa responsabilidade.

A criação da carreira na verdade era uma nova visão da política de encarceramento, onde nesse ato específico idealizava-se que a força pública ostensiva que prende não poderia ser a mesma que custodiava e ressocializava.

Foi também visto como um experimento de desmilitarização de uma tarefa de segurança, conjunto de uma nova filosofia de segurança pública que se implementava. No período era comum se noticiar fugas em massa de presos, principalmente nos grandes complexos penais.

A polícia militar dizia que a responsabilidade era da Secretaria de Administração Penitenciária(SAP), e a mesma dizia que a vigilância externa era da PM. Ao fim, ninguém era responsabilizado e o Estado recebia diversas críticas em razão disso.

Os novos agentes de escolta e vigilância penitenciária (AEVPs) tinham então a difícil tarefa de reduzir esse índice de fuga, o que rapidamente foi conquistado. Há duas décadas, o Estado de São Paulo se orgulha de ter zerado o índice de  fugas em unidades prisionais de regime fechado nas quais os AEVPs são responsáveis pela segurança externa.

Todos os dias, cerca de 2,6 mil homens assumem os postos de trabalho em seus respectivos plantões nas unidades prisionais. A rotina de quase todos os AEVPs é praticamente a mesma. Eles dão entrada na unidade, passam pela revista pessoal, acessam o corpo da guarda e lá recebem as informações quanto à escala de posto de trabalho e ou pauta de escolta. Depois, recebem as suas pistolas e munições, se armam, se municiam, conferem o equipamento, e assumem seus postos.

Quer seja uma viatura para os que são destinados à escolta, quer seja a torre de vigilância nas muralhas para os que estão designados para segurança externa da unidade prisional,. Assumido o posto, fazem o check list das armas e da viatura ou torre e assim cumprem sua missão.

A vigilância externa (guarda das muralhas) é de suma importância para a unidade prisional. É a última barreira e a crucial para que o preso não tenha êxito em qualquer intento de fuga. Os olhos do sentinela na torre, bem como sua total atenção são as armas mais importantes para a garantia de que o preso não fugirá.Por isso, existe um tempo estipulado para que o servidor fique na torre e depois seja substituído por outro servidor.

Isso porque aquele que está em seu posto na torre não pode se desconcentrar. Enquanto ocorre a troca, a outra equipe que não está na torre fica responsável pelas atividades internas do corpo da guarda e em regime de prontidão para em caso de emergência reforçar a muralha em pronto emprego.

Constantemente esses agentes são submetidos a treinamentos e cursos de aperfeiçoamento, tanto de práticas de segurança como cursos de tiro, bem como também conteúdos estratégicos de conhecimento sobre segurança e legislação.

 

SIFUSPESP: Como funcionam os plantões para o AEVP? Quantos policiais precisam trabalhar juntos no mesmo momento a fim de garantir a segurança das unidades? E com relação às escoltas, quais são os momentos de maior tensão e de que maneira o treinamento e a disciplina auxiliam o profissional a se manter alerta a qualquer movimentação estranha?

Max: A carreira de agente de escolta e vigilância penitenciária, como a própria nomenclatura diz, abriga duas funções que apesar de serem relacionadas à segurança externa são bem distintas.

Na muralha, as torres são divididas em quartos de hora e de tempo em tempo. As medições são feitas ,dando assim mobilidade em cima das muralhas e fazendo com que sempre exista alguém observando toda a movimentação externa da unidade, visando a evitar as fugas.

Já na escolta, as equipes são divididas entre custódia hospitalar, apresentação e custódia judicial, e transferência de presos. Nas muralhas, os agentes estão sempre alertas e o momento de maior tensão sempre são as rebeliões e tentativas de resgate de presos, quando há  risco iminente está na troca de tiros.

Um caso muito marcante de resgate aconteceu em 2003 na Penitenciária Adriano Marrey, em Guarulhos, quando os criminosos sequestraram um helicóptero para a fuga e os AEVPs conseguiram abater a aeronave, impedindo a fuga. Foi o primeiro episódio envolvendo AEVPs que se tornou notório na mídia.

Na escolta, assim como na atividade de muralha, as tentativas de resgate sempre geram muita atenção. Toda a equipe de escolta está sempre alerta à movimentação de pessoas e veículos próximo às viaturas. Toda movimentação tem que ser suspeita a fim de que não se permita qualquer desatenção ou displicência. Um erro ou uma inobservância pode custar a vida de toda a equipe, além de colocar toda uma sociedade em grande risco.

 

SIFUSPESP: Atualmente, devido à falta de servidores suficientes para fazer a escolta e vigilância, assim como em todos os setores do sistema, quais têm sido as principais dificuldades enfrentadas pelas equipes para manter o sistema  em segurança? Como a formação do AEVP pode melhorar para que ele lide com essas dificuldades do dia a dia?

Max: Por isso também(a necessidade de segurança) é muito importante a manutenção do efetivo.  Existe um número mínimo de servidores nas unidades prisionais e na escolta necessários para que tudo funcione perfeitamente. A ausência de um servidor abaixo do mínimo estabelecido pode fragilizar uma célula de segurança e através dessa célula frágil toda estrutura e planejamento de segurança fica exposto.

Ao longo desses 20 anos que hoje se completam, o governo foi enxugando cada vez mais o número de servidores, e nos últimos anos temos observado que a reposição do efetivo não vem sendo feita como seria necessário. O número mínimo de servidores para para garantir a segurança externa de uma unidade prisional foi em 2006 reduzido em 7% por simples ato administrativo, alterando o chamado módulo padrão - que determina quantos AEVPs devem existir por unidade).

Não bastando isso, ao longo da carreira muitos pedem exoneração e infelizmente vêm a falecer. Temos conhecimento de que cada 10 que deixam a carreira, o Estado vinha repondo  apenas 6.

Um problema mais grave da escolta é seu planejamento. No início do trabalho dos AEVPs em 2002, aproximadamente 800 homens foram destacados para escolta na região metropolitana, a sua função era apenas a de transportar os presos para hospitais, fóruns e unidades prisionais.

Pouco tempo depois, a PM não mais se sentiu no dever de custodiar presos tanto em hospitais quanto em fóruns na capital, e de repente esses 800 AEVPs assumiram essa responsabilidade.  No entanto, não foram acrescentados mais servidores a esse destacamento, o que acarretou em uma sobrecarga de trabalho.

Em média, um agente na função de escolta trabalha 15 horas por plantão quando deveriam ser apenas doze. É necessário que o estado reveja essa política, já que a função de escolta e vigilância é totalmente indelegável.

Sequer cabe em qualquer sonho de terceirização do setor, ou seja, é uma responsabilidade permanente do Estado e como tudo que é permanente deve ser mantido. A garantia da eficácia da atividade de escolta e vigilância está exclusivamente relacionada a ter o servidor no posto e ter este servidor com sua total capacidade de atenção e prontidão.

Concursos foram abertos, contudo ainda não foram chamados os candidatos aprovados, apesar de todas as fases estarem concluídas.

 

SIFUSPESP: Com a pandemia do coronavírus, que determinou o isolamento social e a suspensão das audiências judiciais e redução de outros deslocamentos antes mais comuns, como os atendimentos médicos externos e as transferências de unidade, o que mudou no dia a dia dos AEVPs para se adequar a essa nova realidade?

Max:  A pandemia fez com que as atividades de escolta tivessem um momento atípico, já que as audiências judiciais não estavam acontecendo presencialmente. No entanto, a secretaria aproveitou a inoperância dessa atividade e alterou também a sua rotina de transferências. Logo, o que era mais comum acontecer nos finais de semana agora acontecem com maior frequência no meio da semana.

Assim, mesmo com a pandemia, os agentes de escolta e vigilância mantiveram o mesmo ritmo de trabalho apenas com uma readequação de operações. Já nas muralhas, a partir da suspensão das visitas, a movimentação externa nos finais de semana foi reduzida, contudo a apreensão de drogas e celulares continuou acontecendo, enquanto a tensão se tornou talvez mais forte, porque agora os presos, sem contato com seus familiares, tenderiam a ficar mais nervosos e a intentar mais fugas.

A pandemia na verdade não diminuiu o ritmo das atividades desses profissionais como na maioria dos casos. Ao contrário, o efeito da pandemia intensificou ainda mais as atividades tanto da escolta quanto da vigilância prisional.

O que pode-se perceber durante a pandemia é que os policiais penais foram submetidos há um grande teste de coragem e comprometimento com a sociedade, não diferente de qualquer profissional que durante a pandemia foi considerado da linha de frente, pois a opção de ficar em casa para se proteger não foi dada. Por conta disso, infelizmente alguns desses AEVPs foram mortos nessa guerra.

 

SIFUSPESP: Como a saúde mental e física do policial penal AEVP é afetada pela rotina que ele tem em serviço? Quais são os cuidados que você acredita serem essenciais para que o servidor possa ter uma qualidade de vida maior apesar de todos os problemas no seu dia a dia?

Max:  O agente de escolta e vigilância penitenciária deve estar sempre alerta para isso. Por lei, é exigido que seu condicionamento físico esteja sempre em dia, e por ser uma atividade armada o seu condicionamento mental também é exigido. Para isso, é necessário que esse policial penal reúna as condições mínimas para que durante o plantão não se sobrecarregue e após o plantão consiga fazer sua reposição mental. Acontece que com a falta de servidores, sobrecarga de pautas em alguns casos o excesso de horas trabalhada tanto na escolta quanto no quarto de hora de torre tem desgastado muito o servidor fisicamente e mentalmente.

O que mais tem dificultado a manutenção da saúde desses profissionais não é o trabalho em si, mas a falta de reposição e melhoria salarial. Isso porque, não bastando a sobrecarga, com a perda salarial e de direitos que já se arrasta há pelo menos oito anos, o servidor para sobreviver tem que se adaptar. Nessa  conjuntura, acaba tendo que morar mal, comer mal, se locomover de forma precária.

Isso faz com que muitos procurem uma fonte extra de renda, o que acarreta comprometimento da sua capacidade de vigilância e atenção quando em serviço ao Estado. Em outras ocasiões, o servidor se refugia no álcool ou no tabagismo como forma de se desestressar, o que causa sérios danos à sua saúde. Falta de efetivo, sobrecarga de trabalho, desvalorização e má remuneração são elementos que enfraquecem e expõe até então a ótima qualidade do serviço prestado.

 

SIFUSPESP: No seu olhar, a nomeação de mais AEVPs aprovados em concursos da SAP poderia colaborar em que sentido para a melhoria das condições de trabalho para todo os servidores? No caso das escoltas que são feitas por policiais militares no interior, a substituição delas pelo trabalho dos AEVPS agiria positivamente em duas frentes, permitindo a presença de mais policiais militares nas ruas e garantindo a atuação dos policiais penais nas escoltas?

Max: A contratação imediata dos aprovados no concurso contribui muito para a manutenção desta qualidade serviço prestado pelos agentes de escolta e vigilância penitenciária, tanto nas muralhas quanto nas escoltas. Apesar de hoje completarmos 20 anos de serviço com excelência, muito ainda necessita ser feito para que a carreira seja completa e evolua.

Mesmo com todos esses números favoráveis, existem ainda no Estado três unidades prisionais das quais a segurança externa é feita pela PM e não pelos AEVPs. Presidente Bernardes, Presidente Venceslau e Avaré, todas no interior. Acredito que a substituição da polícia militar por policiais penais nesses casos permitiria o reforço policial nas ruas de aproximadamente 130 homens.

Na escolta prisional, também é necessária a substituição de policiais militares por AEVPs aconteça, já que sob responsabilidade da SAP ela só acontece na região metropolitana de São Paulo.

Caso o interior e o litoral tivessem essa mudança positiva, seriam aproximadamente 4 mil policiais militares a mais nas ruas fazendo atividade policial preventiva e ostensiva, dando melhor sensação de segurança à população. Além disso, um AEVP custa em média 23% a menos que um policial militar, o que geraria uma economia milionária aos cofres públicos. Até hoje não se compreende porque o Estado ainda não estendeu essa substituição de forma integral.

 

Perspectivas para o futuro

Max: São 20 anos completos hoje da existência do cargo, dos quais 19 deles foram efetivamente exercidas. De lá para cá, jovens que sonhavam em ingressar na carreira pública servindo ao Estado com a difícil missão de fazer melhor e superar a centenária e insubstituível PM, agora são homens, pais de família, avós, que olham para trás e com muito orgulho e  conseguem dizer que a missão dada foi cumprida, e que com louvor aquela que era insubstituível foi honrosamente substituída.

O efetivo não é o ideal, a carga de trabalho não é a segura. Sem poder levar a sua arma consigo para casa esses servidores seguem desprotegidos, o salário já não compra mais e nem garante o pouco que antes dava, os direitos seguem sendo suprimidos, às vésperas de completar se completar 20 anos de efetivo exercício suspenderam adicionais por tempo de serviço e consequentemente o tão sonhado direito da sexta parte (remuneração conquistada os que atingem o mínimo para fim de carreira).

Com tudo isso, é possível olhar pra trás e sentir orgulho de cada um servidor dessa carreira que se comprometeu a fazer o seu melhor e com isso fez da carreira o mais bem sucedido projeto de desmilitarização da segurança pública dos últimos anos.

Que venham mais 20  anos, que venham mais 4 mil servidores, que venha a polícia penal, que sejamos um, respeitando aquilo que cada um servidor escolheu para fazer como atividade ao povo paulista e que a história siga sendo escrita, com mais segurança, mais força e mais honra. Que Deus nos abençoe e abençoe a família de cada um desses profissionais por toda a sua vida!

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