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O presidente do SIFUSPESP, Fábio Jabá, concedeu entrevista à revista Carta Capital, que traz a matéria “Sistema prisional avança no controverso caminho da privatização”, em reportagem que debate ss riscos desse “modelo”: facções criminosas causando massacres, prisões arbitrárias por motivos fúteis e aumento do custo mensal por preso. 

“É a velha lógica do PSDB: sucateia, diz que não funciona e vende”, disse Jabá à reportagem disponível clicando aqui ou na íntegra abaixo. 


Sistema prisional avança no controverso caminho da privatização

Do Sul ao Norte do País multiplicam-se os projetos para entregar a administração das cadeias a empresas especializadas

Por Thais Reis Oliveira

Quando os detentos isolados no Bloco A do Centro de Recuperação Regional de Altamira irromperam em direção aos pavilhões vizinhos, não havia reação possível. Rendidos os dois carcereiros que liberaram as “trancas” para o café da manhã, eles chegaram sem esforço a onde estavam os inimigos ligados ao Comando Vermelho.

O anexo feito de sobras de contêineres logo incandesceu. Resultado: 41 carbonizados. Outros 16 que tentaram escapar foram decapitados. Naquela manhã estavam no local menos de um terço dos 33 funcionários que lá trabalham. Com a intermediação da polícia, a dupla feita refém foi liberada horas depois. Aos demais, restou fugir e registrar a tragédia com o celular.

Mesmo que todos os agentes estivessem no local, seriam insuficientes para lidar com o conflito. O total de 33 servidores é menos da metade do considerado necessário para cuidar dos 343 internos do presídio, construído para abrigar não mais que 163 almas. As vagas para trabalhar em Altamira eram preenchidas por indicações políticas – até então, o Pará jamais havia nomeado concursados para agentes penitenciários. Além disso, muitos dos profissionais eram novatos. É o que diz a Irmã Petra Pfaller, coordenadora nacional da Pastoral Carcerária, que voou até o local para vistoriar o presídio e oferecer amparo às famílias das vítimas. “Eles dizem que não sabiam da rebelião. Como não sabiam, se os parentes disseram para nós que receberam informações nas visitas anteriores?”, pergunta. Por falta de ação efetiva, a cadeia paraense engrossou as estatísticas da mais dramática das “jabuticabas” brasileiras: não conseguir manter vivos e em ordem os que vivem trancafiados sob a guarda do Estado.

Dos grandes massacres que o País viu desde o Carandiru, um número considerável ocorreu em penitenciárias nas quais o Estado repassara ao menos um serviço essencial a um ente privado. É o caso de Pedrinhas, no Maranhão, que tinha boa parte de seus serviços privatizados quando estourou a sangrenta rebelião em 2010. E do Complexo Anísio Jobim, em Manaus, onde 111 presos morreram nos últimos dois anos e meio sob a responsabilidade de uma empresa chamada Umanizzare. O modelo privado é, porém, raridade: opera em apenas 32 das mais de 2,6 mil prisões brasileiras, em unidades divididas por oito estados. Esse número deverá crescer exponencialmente nos próximos anos, pois a privatização é bandeira de campanha de vários governadores eleitos. No Paraná, Ratinho Júnior, do PSD, promete retomar o modelo posto em prática há 20 anos e extinto em 2006. No Rio de Janeiro e em Santa Catarina, o poder estadual corre contra o tempo para acelerar o repasse de unidades prisionais a empresas. O projeto é a menina dos olhos do governador Wilson Witzel, que ameaça prender até quem for pego com maconha nas praias fluminenses. O Maranhão de Flávio Dino, do PCdoB, estuda parcerias público-privadas para a construção de quatro presídios.

É em São Paulo que o processo está, no entanto, mais adiantado. O governador João Doria anunciou a entrega, até o fim do ano, de quatro unidades prisionais à administração privada: Registro, Aguaí e os complexos Gália I e II, na região de Marília. O primeiro lote funcionaria no modelo de cogestão. A direção-geral, a disciplina, a segurança e a intervenção em rebeliões ficariam a cargo do poder público. E a concessionária privada assumiria as demais operações. O governo estaria disposto a desembolsar até 5,5 mil reais por detento, quase o dobro do atual custo, em torno de 2,4 mil reais. Para os servidores da segurança pública, essas unidades servirão de laboratório para um projeto mais ambicioso do tucano, privatizar todo o sistema prisional paulista. É no que acredita Fábio Jabá, presidente do Sindicato dos Funcionários do Sistema Prisional do Estado de São Paulo. “É a velha lógica do PSDB: sucateia, diz que não funciona e vende.”

Se a missão de ressocializar e reeducar é mito nas prisões convencionais, a realidade pouco muda nas unidades privatizadas. Na semana anterior à viagem ao Pará, Irmã Petra visitou dois presídios na Bahia, um privatizado, na cidade de Eunápolis, e outro, de administração estadual, na cidade de Teixeira de Freitas. A superlotação e o mau cheiro eram comuns a ambas, relata. Mas na cadeia privada o medo e a repressão faziam parte do cotidiano. “Nos disseram que tem muitos estudantes. Mas as salas de aula são minúsculas e os presos não falam nada sobre a escola”, relata. Outras reclamações foram a falta de medicamentos, o racionamento de água , as restrições ao banho de sol e o veto aos alimentos levados por familiares.

A situação não afeta somente os detentos e parentes. Os carcereiros, vigilantes  e agentes de escolta sofrem consequências imediatas. Além de lidar com uma massa carcerária em constante expansão, as condições abjetas nas cadeias e o medo de represália nas ruas, eles agora temem perder o emprego para os terceirizados. O paulista Jota Alves, de 47 anos, passou cinco anos sob proteção do estado depois de denunciar um esquema que custou o cargo de dois mandachuvas do Cadeião de Pinheiros, na capital paulista. Sob a vista grossa dos carcereiros, diz ele, os presos trocavam drogas, celulares e armas entre si. Hoje trabalha em uma unidade prisional de Osasco, na Grande São Paulo, e recebe 3,8 mil reais para arriscar a vida levando e trazendo detentos para os hospitais. Seus passageiros vão de tuberculosos a vítimas do “gatorade”, um coquetel de drogas usado em assassinatos na cadeia. Vencida a escolta estadual, ele teve de arcar do próprio bolso com os custos de uma pistola calibre .38 que usa dia e noite para se proteger. “Quem não é envolvido com propina acaba passando apuro.”

Segundo a socióloga Carolina Grillo, professora na Universidade Federal Fluminense e especialista em facções criminosas, o grande risco dessa dinâmica é mobilizar ainda mais o crime organizado. Ela lembra que esses grupos surgiram justamente das lutas por condições mais dignas na prisão. É o caso do PCC, forjado nos idos do massacre do Carandiru. “Como o Estado não segue as próprias leis, é preciso certa flexibilidade nas negociações”, explica. O cumprimento estrito de protocolos, em vez de evitar as rebeliões, diz, aumenta o risco de mobilizar a massa carcerária. “Achar que uma empresa vai contratar funcionários aleatoriamente, e que esses funcionários vão impedir os presos de se matar, é complicado.” 

“Muita gente acha que o presídio privatizado não tem rebelião. Tem e vai ter. Quanto mais disciplinada e controlada uma unidade, mais chance de rebeliões. As unidades de cogestão, de um modo geral, têm um controle de acesso mais rigoroso”, opina Odair Conceição, presidente da Reviver, empresa que administra a cadeia de Eunápolis e outras nove unidades prisionais privatizadas em todo o Brasil. Há dois meses, a empresa assumiu a cogestão das quatro unidades do Complexo Anísio Jobim, outrora chefiadas pela Umanizzare. A solução, defende ele, é educar os funcionários para os riscos e vulnerabilidades da cadeia. Os monitores de ressocialização da Reviver passam por curso de formação cuja carga horária varia de 40 a 160 horas. É bem menos que na gestão pública. Em São Paulo, os agente penitenciários concursados têm ao menos 400 horas de treinamento.

Especialistas temem ainda que a privatização abra caminho para um inchaço ainda maior da já superlotada máquina carcerária. Os defensores do modelo privado discordam. “A SAP só faz custódia, não participa de processo de prisão”, diz o coronel Nivaldo Restivo, chefe da Secretaria de Estado Penitenciária de São Paulo. Conceição defende que o modelo privado estimula o desencarceramento. “Eu tenho mais de 70% de presos que estudam, mais de 45% que trabalham. Quem critica esse modelo tem plano de saúde privado, paga escola particular…”

A experiência internacional mostra, porém, um cenário diferente. Nos Estados Unidos, onde o complexo penal-industrial se transformou em uma indústria que movimenta 5 bilhões de dólares por ano, um juiz da Pensilvânia foi condenado a 28 anos de prisão por trocar vidas por dinheiro. Mark Ciavarella admitiu ter recebido suborno de centros de detenção para aplicar penas mais duras a jovens infratores. Apesar das denúncias de maus-tratos, corrupção, e mesmo após ações do governo Obama para frear a taxa de encarcerados, as prisões privadas continuam a registrar lucros fantásticos, agora abastecidas pela imigração. Dois anos atrás, 71% dos imigrantes detidos encontravam-se em presídios com fins lucrativos, segundo dados do Centro de Justiça Nacional de Imigração.

O Brasil tem hoje 700 mil presos para 423 mil vagas. Destes, um terço está em São Paulo. Cresce também a velocidade dos encarceramentos. Apenas nesse primeiro semestre, foram 5,1 mil encarcerados no estado mais rico da federação, 10% a mais do que o total de novos detentos do ano passado. Acadêmicos, empresários e trabalhadores concordam que a solução para a crise carcerária passa por desentulhar as cadeias. Desde 2017, o risco de ser morto atrás das grades passou a ser 42% maior do que fora delas. Esse aumento se deu principalmente no Norte e no Nordeste, a mais nova praça da guerra entre facções criminosas no Brasil. Dos 62 mortos em Altamira, 26 estavam presos provisoriamente, à espera de julgamento. Lucrativa ou não, a fábrica de párias precisa mudar.

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